Revival do Fascismo ou ele sempre esteve entre nós?
Fascismo é a
expressão política e social do controle sobre as classes trabalhadoras quando a
taxa de lucro do capitalismo cai e há “necessidade” de se reverter essa
tendência, ou diminuir as perdas que se experimenta, através de uma maior
expropriação das classes subalternas. Qualquer exploração mais severa
certamente enfrentaria resistência por parte dos trabalhadores e demais subalternos,
e, para fazer face a essa possível reação, aumentam-se as formas de repressão através
das leis, aparato policial, aumento do poder patronal e de gerentes do
capitalismo.
Este cenário se
apresenta claramente no mundo no período atual. Desde a década de 1980 a
política neoliberal com seu corte de direitos, aumento da repressão policial,
tolhimento de formas de organização da classe trabalhadora (sindicatos, greves,
resistências possíveis no cotidiano) tem imposto uma visão de mundo monolítica
e aparentemente inelutável, com algoritmos que preveem comportamentos, que nos
oferecem produtos, que controlam todo o nosso tempo e de certo modo suavizam a
brutalidade desse mundo, pois nos entorpecem com consumo de produtos e imagens,
aliviando a perda do vínculo humano, a perda da liberdade, a perda de uma ideia
coletiva de construção de futuro.
Paradoxalmente,
este mundo que tanto fala em futuro levou as massas à uma apatia completa em
que essa mesma ideia de futuro é uma abstração incompreendida. Vive-se no
presenteísmo, no excesso das imagens e mercadorias, nos excessos da brutalidade
que vão criando indiferença; que levam inicialmente ao medo do outro e em
momentos mais à frente levam ao desejo de eliminá-lo.
No Brasil
vivemos um momento perigoso em que o ódio ao diferente encontrou guarida nos
cargos representativos e já é o ethos de nossa sociedade. Os evangélicos
neoliberais, adeptos da teologia da prosperidade têm dominado o cenário
político e as ideias vigentes na sociedade. Estão profundamente atrelados à
barbárie brasileira e em seu projeto de poder pretendem arrasar culturalmente o
país, eliminando antigas e tradicionais expressões culturais, eliminando a
intelectualidade, demonizando o conhecimento e inaugurando uma era de
trabalhadores subservientes com uma nova religiosidade atrelada ao dinheiro e a
obediência cega às autoridades constituídas.
Não podemos
falar em democracia sólida no Brasil: tivemos algumas experiências limitadas
que quando fogem ao script acordado são invalidadas sem qualquer cuidado com a
aparência de legalidade, vide o impeachment de 2016, realizado sem que houvesse
crime de responsabilidade.
Contudo, não
somos um caso isolado de violações e retrocesso autoritário: Segundo dados do
Relatório da Confederação Sindical Internacional de 2019, 85% dos países violam
o direito de greve; 72% dos trabalhadores não tem acesso a justiça ou o tem
restringido; aumentou para 64 o número de países que recorrem à prisão de
trabalhadores e 80% dos países negam a alguns trabalhadores ou a todos o direito
de negociação coletiva. Da análise desses dados percebe-se que é grave a
repressão aos trabalhadores, que há uma dificuldade maior em se organizar lutas
coletivas, podendo o trabalhador rebelde pagar com a prisão ou até mesmo com a
morte, já que em dez países, incluindo Itália e Brasil, houve assassinatos de
líderes sindicais no período analisado.
O fascismo atual pode ser lido como um
revival daquele experimentado no início do século XX, mas me parece mais razoável
vê-lo como fenômeno que não deixou de existir em nenhum momento ao longo século
XX e início do XXI, que viu crises estourarem anualmente, criando uma realidade
permanentemente caótica. Governos que tolhem direitos, espoliação cada vez
maior das classes trabalhadoras, insensibilização à genocídios, maior controle
sobre os cidadãos, uma cultura niilista, enamorada da decadência e violência são
sinais típicos de um regime fascista, e o caro leitor há de concordar que os fenômenos
citados não se iniciaram agora.
Há uma
narrativa de que a pior experiência fascista, o nazismo, foi derrotado na 2ª Guerra
Mundial e essa afirmação foi e é repetida à exaustão, criando um consenso de
que essa página horrenda da história foi superada. Mas com um olhar acurado é
possível perceber que o século XX teve inúmeros exemplos de governos autoritários,
a serviço da elite econômica, cuja missão principal era manter dócil as classes
inferiores e manter o custo do trabalho em patamares baixíssimos. Claro que
esses regimes contavam com uma capa de legalidade, uma aparência de que se tratavam
de democracias. Mas essa aparência não deveria ter sido capaz de iludir intelectuais
que se identificam com o espectro da esquerda nem de desorganizar a resistência
ao esmagamento das classes subalternas.
O fascismo não
ressurgiu agora: já está vigente há décadas, mas não havia necessidade de
fechar o regime completamente. Por vezes o fascismo estava presente no poder
judiciário e nas forças armadas, enquanto a cultura do país era de certa
abertura intelectual e social (contanto que nem o intelectual nem o grupo
social representassem ameaça à ordem vigente). Contudo, agora as contradições
estão postas à mesa e caso seja necessário para os capitalistas abrir mão do
verniz democrático, eles o farão, porque capitalismo trata-se fundamentalmente
de controle das massas e nisso este coincide com o fascismo. Cabe a nós estarmos preparados para resistir.
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